O povo que não conhece sua história está fadado a padecer, diz jornalista
LUANA SOUTOS
É triste um povo que não conhece a sua própria história. Há
cem anos, vivíamos a maior Greve Geral já registrada no nosso país. Milhares de
trabalhadores paralisaram suas atividades, em diversos setores produtivos, com
uma forte reivindicação: o direito de ter direitos.
Um século depois, aqui estamos, tentando construir uma Greve
Geral que deve marcar o 28 de abril de 2017, na tentativa de evitar a retirada
de direitos conquistados por aqueles que viveram e brigaram, em importantes
períodos do século XIX, por tudo o que temos hoje.
Seria cômico, se não fosse trágico, ver algumas pessoas
questionando, criticando ou tentando atrapalhar o movimento dos trabalhadores
bem do alto do conforto que um emprego formal oferece. Ao contrário do que
parece, carga horária de trabalho definida, salário reajustado todos os anos,
direito a férias, 13º salário, licença maternidade, creches e escolas para
deixar os filhos em segurança não são facilidades inerentes à nossa sociedade.
Essas garantias não brotaram do chão.
Quando fizemos nossa primeira grande Greve Geral, em 1917,
as crianças, por exemplo, formavam o quadro de trabalhadores tal qual seus
pais. Não só para garantir alguma renda, mas também pela falta de um local
seguro para a família deixar os filhos. Esse foi um grande marco daquele
período. As crianças trabalhavam nas fábricas cumprindo jornadas de trabalho
que ultrapassavam 14h diárias, como os adultos. Obviamente, não suportavam, e
dormiam, o que gerava punições, quando não acidentes causados pelas máquinas.
A historiadora Crhistina Lopreato, em entrevista sobre a
Greve Geral de 1917, cedida ao programa História, confirma a existência de
registros de pagamentos zerados para crianças em decorrência das punições nas
fábricas.
Mesmo assim, com todo esse histórico, disponível em livros,
vídeos, áudios, parece que ainda não está evidente para algumas pessoas que os
direitos trabalhistas e sociais foram construídos a partir de muita luta, de
muito enfrentamento, e também de muitas mortes. E do mesmo jeito que foram
conquistados, correm riscos a todo momento. Se não houver zelo, se não houver
cuidado por parte dos beneficiários desses direitos, eles cairão um a um.
O apelo emocional de que precisamos nos sacrificar nos
momentos de crise, ou até mesmo a afirmação de que as manifestações em defesa
dos direitos favorecem alguma figura política, são intervenções programadas,
vindas, notadamente, dos setores empresariais (maiores interessados nas
reformas), para nos enfraquecer e desmobilizar. Com relação a isso, é preciso
ter a clareza de que as conquistas sociais inseridas na Constituição de 1988
foram atacadas em todos os governos seguintes à sua promulgação, independente
do partido. Então, a luta em defesa dos direitos pode até ser utilizada por
aqueles que têm dificuldade de reconhecer que o Partido dos Trabalhadores
também ajudou a fragilizar esses direitos, mas para a maioria de nós, não há
ilusão. Somos nós que temos de arregaçar as mangas e lutar pelo que é nosso,
porque se depender de partido ou de político, nós seremos massacrados.
O Estado não está inchado, falido. Esse é outro discurso
implantado. Os próprios dados institucionais demonstram isso. O Estado
brasileiro, a partir dos governos, faz a opção de não direcionar recursos para
políticas sociais, e sim ao pagamento de uma dívida pública comprovadamente
ilegal, além de absurdamente imoral. A dívida pública é o maior esquema de
corrupção desse país, consome 50% de toda a arrecadação da União, e os governos
(inclusive petistas) não têm nenhum interesse em fazer o mínimo esforço para
auditá-la, conforme prevê a Constituição.
Essas ações e esses discursos não são novos. São utilizados
há séculos. Tempo suficiente para aprendermos a identificar as jogadas e
posições sociais. Inclusive as nossas, porque a imparcialidade é um engodo. Não
é salutar preservar qualquer ingenuidade política nesse momento. É hora de
aprofundar o conhecimento, checar as informações, ter cuidado para não espalhar
boatos sem sentido, e sair do conforto conquistado pela luta alheia, porque se
não houver grande reação a esses ataques, esse conforto do qual desfrutamos,
que ainda é mínimo perto do que cada trabalhador tem direito de fato, se
transformará rapidamente numa mera lembrança de parte da nossa história. Ou nem
isso.
*Luana Soutos é
cientista social, jornalista e dirigente sindical em Cuiabá.
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