RGB Entrevista
com Paulo Alves, advogado, especialista
em Direito Administrativo Contemporâneo e servidor de carreira do Superior
Tribunal de Justiça (STF). Confira!
RGB - Nos últimos anos, temos observado que a Governança Pública
tem ganhado destaque em diversos países. Na sua visão, o que é a Governança no
setor público?
Paulo - Conforme o conceito clássico, a
Governança no Setor Público compreende essencialmente os mecanismos de
liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e
monitorar a atuação da gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à
prestação de serviços de interesse da sociedade. Trocando em outras palavras,
estamos falando de trazer a Administração Pública de volta para o seu lugar,
onde funciona para atender os anseios e interesses do cidadão e da sociedade.
Por sinal, essa é a razão de existir do Estado, mas que foi abandonada por meio
de estruturas excessivamente burocráticas que passaram a ter seu foco no procedimento,
nos controles definidos e instituídos. Dessa forma, apropriou-se do
Gerencialismo oriundo do meio corporativo privado que, desde o último quarto do
século XX, trazia um modelo focado em resultados. Com o advento da Reforma
Administrativa de 1998, que culminou na edição da Emenda Constitucional nº 19,
vimos o princípio da Eficiência alcançar status constitucional, a despeito de
já fazer parte do arcabouço jurídico e de orientar a Administração Pública
desde a edição da Decreto-Lei 200/1967.
A amplitude e o generalismo do conceito
inicialmente apresentado levam-nos ao entendimento de que a Governança tanto
pode ser aplicada a nível institucional, abarcando todos os setores da
organização e estabelecendo os mesmos objetivos estratégicos para todos os seus
diversos setores, quanto aplicada a determinadas unidades intraorgânicas haja
vista a especificidade técnica. Da mesma forma, poderá se aplicar a processo de
trabalho transversal que abarque mais de uma unidade.
RGB -. Para você, quais as principais diferenças entre gestão e
governança?
Paulo - Essa é uma excelente pergunta, pois
muitas pessoas ainda fazem confusão com os conceitos! Primeiramente precisamos compreender que
Gestão e Governança não são sinônimos. Trata-se de estruturas distintas, mas que
se relacionam entregando e recebendo "insumos". A denominada
instância de Governança é composta pela Alta Administração que tem uma visão
macro da organização, sendo capaz de direcionar, avaliar e monitorar a efetiva
execução de ações e políticas públicas na instância de Gestão, aqui
considerados como os níveis tático e operacional dos órgãos e entidades. A
materialização destas últimas - ações e políticas - se dá por intermédio de
processos de trabalho finalísticos, aqui compreendidos como uma sequência de
atividades que visam entregar serviços e outros benefícios aos
cidadãos-clientes. Tais processos, executados pela Gestão, para serem
eficientes, eficazes e efetivos, precisam de direcionamento, além de um
acompanhamento constante quanto ao seu desempenho, papéis da Governança.
Enquanto a instância de Governança colhe o
interesse do cidadão e entrega ESTRATÉGIA para as estruturas de Gestão
alcançá-lo, essa última devolve o ACCOUNTABILITY, consubstanciado na
responsabilidade de prestação de contas e de agir conforme padrões de
conformidade e integridade. E quando tal engrenagem funciona corretamente, a
Gestão Pública consegue atender o seu propósito de existir, qual seja suprir os
anseios e expectativas do cidadão.
RGB -Na sua opinião, quais são os principais desafios da
implementação da Governança Pública no setor público brasileiro?
Paulo - Sem dúvida é alcançar o tão sonhado
patrocínio da Alta Administração. A implementação da Governança é, por
natureza, um processo top-down, ou seja, que flui das instâncias estratégicas
desdobrando-se até os níveis tático e operacional. Enquanto os membros do alto
escalão de órgão e entidades não abraçarem a responsabilidade de estabelecer as
estruturas e processos de Governança, inclusive de Gestão de Riscos e de Controles
Internos, além do estabelecimento de uma auditoria interna forte e
independente, dificilmente uma organização será bem sucedida na implementação
da Governança. Mas tenho esperança de que esse quadro está mudando e que
teremos uma nova geração de gestores públicos focados em torná-la realidade.
Por sinal, esse é meu esforço enquanto auditor, agente público e professor.
RGB- Por que a Governança pode ser considerada o caminho para
realinhamento com o interesse social?
Paulo - Por conta da Teoria da Agência.
Explico de forma mais detida neste momento, pois já mencionada anteriormente.
De acordo com a citada teoria, aplicada ao contexto público, a relação entre a
sociedade e o cidadão é uma relação entre um proprietário e um gerente. O
cidadão é o verdadeiro proprietário da res publica e entrega bens e valores à
Administração Pública para que possa geri-los. Mas não de qualquer maneira.
Deverá funcionar para alcançar os interesses e anseios sociais através de
estratégias pré-definidas. Por outro lado, o gerente deverá almejar resultados
manifestos em serviços e benefícios entregues, cabendo-lhes, periodicamente a
apresentação de prestações de contas, inclusive com a assunção de
responsabilidade no caso de não-realização de suas obrigações enquanto gestor
da coisa alheia.
Veja que, muitas vezes, a Gestão se afasta
do interesse social, fazendo com que gestores funcionem conforme seus próprios
interesses no denominado Conflito de Agência. Então qual seria o remédio para
tal situação? Isso mesmo: Governança!
RGB- Quais as suas expectativas sobre a aplicação da nova lei
geral de licitações e contratos? Você gostou da lei?
Paulo - De forma geral, gostei muito da
norma, pois ela é, para todos os efeitos, uma Lei de Governança das
Contratações. A aplicação obrigatória de seus institutos provocará mudanças
estrutuais nos entes federativos que se verão obrigados a estabelecer elementos
mínimos de planejamento estratégico com o propósito de ver suas contratações
alinhadas. Isto tende a retirar os órgãos e entidades do lugar comum onde reina
a cultura da falta de planejamento. Por sinal, o coração da norma se encontra
no art. 11, parágrafo único, da Lei 14.133/2021. Lá está prevista a
responsabilidade da Alta Administração de implementar a Governança das
Contratações com todos os seus processos e estruturas. Mas cabe salientar que a
norma não é perfeita e essa, talvez, seja a única compreensão unânime quanto ao
novo marco legal. Cito, apenas a título de exemplo, a forma como trata a unidade
de controle interno, como apresenta as Linhas de Defesa em seu art. 169 e como
é completamente ausente quando o assunto é a Auditoria Interna (mas tudo bem,
lancemos mão do art. 49 da Lei 14.129/2021 – a pouco conhecida Lei da
Eficiência Pública). Isso não retira a importância e o caráter revolucionário
da norma que tende a levar a Administração Pública a um novo patamar no que
toca às contratações.
RGB - Quais seriam hoje os melhores cases da gestão de riscos no
setor público brasileiro?
Paulo - Gosto muito de citar em minhas aulas
o Acórdão TCU nº 69/2020 – Plenário, onde a Corte de Contas, analisando as
entidades nacionais do Sistema S, determinou a aplicação das estruturas de
Gestão de Riscos do Modelo COSO para estes que funcionam não como parte ao
Estado, mas como entes paraestatais (ao lado do Estado). Por natureza, tais
organizações possuem estruturas menos burocráticas em sua administração, fato
que não se torna contraditório com o fato de que têm objetivos. Ora, como falo
sempre em minha frase mantra, onde há objetivos, há riscos – apesar de que nem
sempre onde há riscos, há controles. Dessa forma, deverá ser implementada a
gestão de riscos para que tais entes possam conduzir suas atividades livres de
riscos relevantes e que superem o seu apetite a riscos.
Mas não posso deixar de citar o emblemático
Acórdão TCU 2.622/2017 – Plenário, de relatoria do Ministro Augusto Nardes, em
que vemos uma aula sobre a Governança das Contratações, incluindo as estruturas
de Gestão de Riscos na função aquisições. E, finalmente, mas não menos
importante, o Acórdão 1.1711/2017 – Plenário de onde retiramos uma essencial
lição sobre as diferenças conceituais Controle Interno e Auditoria Interna,
entregando à primeira a condição de grande insumo do processo de gestão de
riscos.
RGB
- Quais serão, na sua visão, os principais desafios da gestão pública
brasileira nos próximos 5 anos?
Paulo - Implementar a Governança e
regulamentar/aplicar a Nova Lei de Licitações e Contratos, especialmente nos
pequenos municípios onde a realidade é bem distinta do padrão federal posto na
norma. Mas a despeito de reconhecer a dificuldade, creio ser possível. Temos
valentes gestores nos municípios, homens e mulheres que, com o apoio adequado,
são imparáveis.
Currículo
Paulo Alves é servidor de carreira do Superior Tribunal de
Justiça, titular da unidade de Auditoria Operacional e de Governança do
Conselho da Justiça Federal. Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito
Administrativo Contemporâneo, Mestrando em Ciências Jurídicas (Master of
Science in Legal Studies) com concentração em Riscos e Compliance pela Ambra
University – Florida/EUA. Extensões em Auditoria Governamental, Gestão de
Riscos e Auditoria Baseada em Riscos pelo ISC/TCU e Tutoria e Docência pelo
CEJ/CJF. Instrutor de capacitações em Gestão Pública, Governança, Gestão de
Riscos e Auditoria Governamental. Professor de Direito Administrativo em
instituições privadas de ensino. Professor convidado da Academia Militar das
Agulhas Negras - AMAN, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, da Escola
Nacional de Administração Pública - ENAP, e da Escola da Advocacia Geral da
União - EAGU. Membro da Rede Governança Brasil - RGB e membro-fundador da
Associação Latino-americana de Governança - ALAGOV. Experiência de uma década
realizando auditorias por todo o Brasil. Atualmente integrando a equipe de
auditoria para verificação do grau de implementação da Gestão de Riscos nos
órgãos da Justiça Federal e na equipe de fiscalização dos órgãos patrocinadores
da FUNPRESP-JUD. Contato: profpauloalves@outlook.com.br
Fonte: Site RGB
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