“Fiquemos com as respostas das crianças”, diz artigo dos professores da UFMT



Os acontecimentos mais recentes, envolvendo arte, infância e sexualidade, têm gerado certa comoção social e nos mobilizam a pensar. O que pode ou não violentar as crianças? Que sentidos a infância tem para nós, adultos, que nos levam a pensar e a agir com as crianças de determinadas formas?
A palavra “infância” tem sua origem no termo latino in-fans, que remete àquele que não fala e carece de linguagem e pensamento. Durante séculos, na cultura ocidental, a criança foi entendida dessa maneira: um ser que, por estar em desenvolvimento, se caracterizava pela ausência de ideias que atestassem condições mínimas para decidir, conhecer, criar e desejar.
É claro que nossa sociedade mudou e, com isto, novas formas de pensar a criança e a infância foram construídas. Da condição marcada pela ausência de voz, ideias, lugar social e direitos, as crianças passam a ser vistas como pessoas que têm seus modos próprios de pensar, agir e perceber o mundo. Nesse sentido, as crianças são reconhecidas como pessoas que têm experiências, as quais, mesmo sendo diferentes das que os adultos possuem e vivem, precisam ser compreendidas e respeitadas.
Isto faz sentido, na medida em que entendemos experiência como tudo aquilo que acontece na nossa vida e nos toca, nos marca e nos transforma como pessoas. Assim, experiência não é apenas o conjunto de acontecimentos e aprendizagens que acumulamos ao longo de nossa existência. Desse modo, as experiências de crianças, jovens, adultos e idosos não podem ser julgadas e avaliadas como se umas fossem melhores ou piores, mais ou menos importantes e dignas do que as outras.
Retomamos os discursos, que estão circulando pelas mais diferentes mídias, sobre os contatos das crianças com obras de arte, que trazem corpos nus e temas relacionados à sexualidade, e deparamo-nos com um conjunto de interpretações que denominam como danosos e perigosos os impactos que essas experiências podem causar nas vidas das crianças. Essas interpretações categóricas nos fazem refletir sobre como adultos podem arbitrariamente determinar como a criança pensa, sente e dá sentidos ao que ela está vivendo, sem, ao menos, se disporem ao diálogo.
Em nome de um “saber da infância” e da sua proteção, é muito comum adultos atribuírem às crianças uma interpretação sobre o que elas fazem, pensam e vivem, que diz respeito exclusivamente às suas próprias ideias, valores e experiências. Isto pode ser uma violência, na medida em que a criança é desrespeitada como pessoa e violada no seu direito de pensar.
Será que compreender a criança como alguém que pensa, sente e deseja de modo diferente de nós, adultos, a coloca necessariamente no lugar de alguém que nada sabe e nada pode dizer? Será que proteger a criança seja, necessariamente, falar em nome dela, sem, ao menos, se preocupar com o que ela tem a dizer?
Reiteramos e assumimos a importância da responsabilidade social e histórica que nós, adultos, temos de educar as crianças, mas também entendemos que a educação só acontece quando há diálogo, quando aquele que educa, se dedica à escuta atenta do outro e o reconhece como alguém que, nas suas diferenças, também tem conhecimentos e experiências que são transformados nesse encontro do ato educativo. A educação assumida como diálogo não admite a censura e contesta, profundamente, a violação do direito do outro de pensar, conhecer, sentir e produzir sentidos. Trata-se de uma educação que abomina a conversão da pessoa em coisa. E é esta educação que defendemos.
Não nos colocamos aqui como “paladinos” da infância e tampouco queremos falar em nome das crianças, até porque entendemos que, como educadores, não é este o nosso papel. Contudo, queremos aqui – isto sim – denunciar as muitas infâncias e crianças que vivem as dores da fome, das violências físicas, simbólicas e sexuais concretas em seus cotidianos, das guerras, do trabalho escravo pelo Brasil afora. Queremos dar visibilidade a estas infâncias e crianças, tão invisibilizadas pelos discursos sociais vigentes e que, dolorosamente, não estão nas escolas, nas creches, nos museus, nos parques, nos cinemas; infâncias e crianças que não estão na agenda da comoção social deste País e, menos ainda, na pauta das prioridades dos atuais governos.
Diante de tudo isto, fica-nos uma pergunta que não pode se calar: do que temos que proteger nossas crianças? Da arte ou da miséria e da dor das desigualdades sociais? Parafraseando nosso saudoso cantor e compositor, Gonzaguinha, “fiquemos com as respostas das crianças


Professores Doutores do Curso de Psicologia da UFMT/Câmpus de Rondonópolis.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Michelle Diehl está de volta!

SINDSPEN-MT protocola Pauta de Reivindicação nesta terça-feira (27)