Dia internacional de luta contra barragens – Manso é um caso clássico


Por Keka Werneck, da Assessoria de Imprensa do Centro Burnier Fé e Justiça
Essa história daria um filme. Em novembro de 2013 já vai completar 14 anos que cerca de mil famílias foram retiradas de seus sítios, onde viviam a típica vida rural, para dar lugar ao lago da Usina de Manso, no município de Chapada dos Guimarães. Até hoje 173 delas, conforme o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), jamais foram reconhecidas como prejudicadas pela usina administrada por Furnas Centrais Elétricas, concessionária da geradora de energia. Isso quer dizer que nem foram assentadas em outra área, como cerca de 400 famílias, nem foram indenizadas, como aconteceu com outras mais de 300, isso somente em dezembro do ano passado. Essas informações são do MAB. Nesses 14 anos, o que surgiu nos arredores do lago de Manso foi um luxuoso complexo turístico, com mansões e resorts.
Isso dá uma raiva que não passa no coração do ex-lavrador Liberalino do Bomdespacho, um dos exilados de Manso, que hoje sobrevive trabalhando em Cuiabá, na construção civil. Ele é da coordenação do MAB em MT, que, assim como no mundo todo, lembra hoje o Dia Internacional de Luta contra Barragens – 14 de março.
“É assim que as coisas são”, lamenta Liberalino, se referindo ao descaso dos que têm poder com os que não têm.
Segundo ele, “dessas famílias que não foram reconhecidas, eu vi muita gente saindo de casa já com água na cintura. Como que então não foram atingidas? Isso é conversa fiada”.
O filme da história de Manso já teria até trilha musical. “Sobradinho”, de Sá e Guarabira. Ouça. No caso daqui, foi engolida pelas águas a região do Quilombo, do Rio da Casca, do Roncador…
Liberalino diz que não gosta de jeito nenhum de morar na cidade. Sente saudade de plantar de tudo. Arroz, feijão, roça de mandioca, banana, cana e batata.
“A vida no campo é muito diferente da vida na cidade, mas muito, mas muito diferente mesmo. Para começar que, se eu ainda vivesse na minha roça, eu não seria consumidor dessa comida cara que vendem na cidade e sim seria produtor de comida fresca,” explica.
Ao invés dos roçados, hoje floresce, a todo vapor, o complexo turístico em Manso. “Isso é um empreendimento construído encima de uma grande mentira. O que dizem é que Manso foi feita para gerar energia. Mas só existe para beneficiar grandes empresas de turismo e um governo que permite isso é um governo bandido”, dispara. “Outra mentira é que a barragem ia acabar com as cheias do pantanal, que ia evitar enchentes. Acabou foi com os peixes, ninguém mais pesca por ali”.
Conforme o MAB, 90% das áreas onde as famílias atingidas foram assentadas é composta por areia. A denúncia foi amplamente divulgada na ocasião dos assentamentos, mas ficou por isso mesmo. “É assim que as coisas são”, repete Liberalino.
Segundo ele, que foi um dos indenizados, o valor pago às famílias também não corresponde ao justo. “Na minha opinião, recebemos menos de 50% do valor real. Não deu para nada”, reclama.
A reportagem deste site entrou em contato com Furnas Centrais Elétricas para ouvir a empresa, através da Assessoria de Imprensa, no Rio de Janeiro. Perguntada, por telefone e e-mail, sobre as 173 famílias que alegam ter ficado totalmente excluídas de qualquer tipo de reparação, sobre os assentamentos em área onde 90% é areia e sobre as insatisfatórias indenizações em dinheiro, Furnas retornou informando que ainda estava preparando uma resposta, mas que não foi enviada até o horário informado de que esta matéria seria postada (9 horas). A postagem foi adiada por mais de 2 horas, para aguardar um posicionamento da empresa, mas nada feito.
A reportagem também falou por telefone e e-mail com a Assessoria de Imprensa da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em Brasília, responsável pela fiscalização do setor. A intenção, nessa caso, é compreender quem garante o cumprimento de regras estabelecidas às concessionárias de energia. E também saber exatamente quantas barragens existem em Mato Grosso, Estado de grande potencial hídrico e portanto muito visado pelo segmento energético, e quantas estão em processo de construção. Nenhuma resposta também.
Na época do alagamento, 1.065 famílias se uniram ao MAB. Agora, 14 anos depois, muitas dissiparam pelas cidades próximas. Em MT, o Movimento tenta se rearticular. Em vários locais do país – onde existem mais de 2 mil barragens – haverá atos públicos, para lembrar a data de hoje.
“Essas obras não param, não é só Manso”, destaca Liberalino.
É um setor que gera, além de energia, muito dinheiro, é na casa dos bilhões. É o que diz outro coordenador do MAB em Mato Grosso, Jefferson Nascimento, que mora na região do rio Teles Pires, um dos principais mananciais de Mato Grosso, onde estão previstas mais seis hidrelétricas, sendo duas já em fase de construção.
Segundo ele, barragens afetam o modo de vida das comunidades. “Uma das barragens vai se alongar do Norte de Mato Grosso até Jacare-a-canga, uma cidade no Pará, onde a população é 70% indígena, predominantemente da etnia Munduruku. Imagine o que acontece na vida de indígenas quando uma usina chega na região da aldeia”.
Sobre os impactos de uma barragem, muito tem se falado sobre a Usina de Belo Monte, talvez a maior polêmica do segmento no país atualmente, que já foi interditada pela Justiça várias vezes e liberada na mesma medita. No momento, a obra está sendo tocada. Mas há várias campanhas no país contra Belo Monte. Até artistas globais se articularam contra esse empreendimento. Olha esse vídeo.
Conforme Jefferson Nascimento, a empresa concessionária, Neoenergia – maior grupo do ramo no país – reconhece 10 mil famílias atingidas. Para o MAB, são 50 mil. A história se repete?
Aliás, para o MAB, o conceito de atingidos por barragens é bem amplo e até mesmo todos os usuários de energia, sobre tudo os residenciais, são considerados atingidos, devido às contas de luz superfaturadas.
Ao estudar sobre toda essa questão energética, chega-se à cultura da geração desenfreada de energia, fomentada dentro do sistema capitalista. Isso é muito bem retratado no filme “Home – O mundo é nossa casa”. Na parte 3, o filme mostra Nova Iorque como símbolo da exploração da energia no mundo. Já nas partes oito enove, mostra saídas alternativas e aponta uma esperança contra a exploração imediatista do planeta terra. Então, conforme o filme, não seria o caso de ficar sem energia mas sim reduzir o uso e mudar a postura mundial de consumo energético, mudar prioridades, mudar o foco da vida.
Para o MAB, água e energia não são mercadorias. Mas têm sido tratadas assim. Veja esse vídeo para entender mais sobre o assunto. Energia para quê e para quem?
No Ministério de Minas e Energia, a reportagem deste site quis saber qual é a real política do Governo Federal: se é a política expansionista, sem medir impactos, ou se é a política do cuidado com a vida. A Assessoria de Imprensa ficou de enviar material sobre isso. Mas nada.
Na luta por garantir direitos na época do alagamento de Manso, é bom lembrar, pelo menos uma morte foi registrada.  O vigia de Furnas, Nilton Alves da Costa, 28 anos, acabou baleado na cabeça durante uma manifestação dos atingidos, já indignados com tanto descaso. Foram acusado pelo homicídio, chamados de violentos.
Liberalino, ao se lembrar disso, talvez dissesse. “É assim que as coisas são”.
Mas até quando?
O MAB segue na luta com o lema: “Águas para a vida; não para a morte”.
ATUALIZAÇÃO – Resposta de Furnas
Em decorrência da implantação do Aproveitamento Múltiplo de Manso, Furnas assentou 343 famílias em cinco assentamentos no município de Chapada dos Guimarães/ MT no ano de 2000. Outras 79 famílias optaram por receber o valor de suas propriedades por indenização. Essas 422 famílias faziam parte do cadastro sócio patrimonial, levantado na época, como atingidos pelo APM Manso. Posteriormente, em 2003, o MAB reivindicou a inclusão de outras famílias, alegando que essas também teriam sido atingidas pelo empreendimento. 
Furnas então contratou duas auditorias externas para identificar e comprovar as alegações do MAB de que outras famílias, além das 422 existentes em cadastro, teriam sido atingidas pelo APM Manso. A última auditoria foi realizada com a participação efetiva do MAB, que ajudou a definir critérios para o trabalho. A auditoria identificou 458 famílias com direito a algum tipo de reparação, totalizando 880 famílias (os 343 assentados, 79 indenizados e 458 com direito a reparação). Desde então (2003) Furnas vem negociando com o MAB. Essas negociações envolveram uma ajuda de custo mensal ao longo deste período até dezembro de 2012. Um total de mais de R$ 23 milhões.
Agregado a esta ajuda de custo e com o objetivo de apoiar os atingidos, Furnas, por meio de parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, realizou a análise do solo dos assentamentos, visando orientação do melhor cultivo para o tipo de terra. Por meio de convênio com a Empresa Matogrossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural – Empaer, Furnas orienta há mais de 10 anos cada família com relação à produção e à liberação de pareceres para crédito rural. 
Em 31 de outubro de 2012, foi feito um acordo com o MAB para o pagamento de indenizações a 761 famílias, tendo sido quitado em cerca R$ 70 milhões, valores definidos em conjunto com as lideranças do MAB com base nas contrapartidas definidas na implantação do APM Manso. Esse acordo foi fechado com os advogados representantes da direção do MAB, e protocolado na Justiça Federal de Mato Grosso. O acordo abrangeu todas as 880 famílias reconhecidas no processo de auditoria feito em conjunto com o MAB, exceto as 119 famílias que venderam suas propriedades nos assentamentos e os falecidos cujos herdeiros estão em processo de inventário. A quitação a cada beneficiário vem sendo feita desde 19/11/12 com assinatura de termo de acordo individual. 
Com a formalização e quitação do acordo, Furnas e o MAB deixaram claro no documento que entendem que os compromissos da empresa com os atingidos pela APM Manso foram todos cumpridos.

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